Uma viagem de volta a 1989

Saudações aos desenvolvimentistas.

Que tal voltarmos 21 anos no tempo e por um instante revisitar uma época em que os video games ainda eram vistos como novidade no Brasil? Um período em que o Brasil vivia a excitação da primeira eleição direta para presidente da república desde o fim da ditadura militar; estava em uma pior economicamente, mas mesmo assim a criançada da época nem se importava em torrar o saco dos pais com uns aparelhos esquisitos e barulhentos. Com a inestimável ajuda da edição da revista Veja de 6 de dezembro de 1989, o Loading Time levará seus leitores a uma nostagia trip daquelas. Vamos nessa.

Em uma edição marcada pela disputa Collor/Lula (quem diria que 21 anos depois os dois viraram chapas e já dividiram palanque juntos), abriu-se um espaço de cinco páginas para falar sobre incríveis e “modernos” “videogames de terceira geração”. Como vocês podem ver na abertura da reportagem:


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Ao começar a ler (se preferirem, acessem a versão digital aqui), logo pude perceber a ingenuidade contida no texto, porém ao contrário do que viraria regra na abordagem desse assunto na década seguinte a da reportagem, o jornalista se esforçou para entender esse universo, e assim poder ambientar os pais (público leitor da revista) meio perdidos com a molecada jogadora da época. Até refletindo o artigo do James Portnow, também nota-se como os videogames eram encarados como um mercado emergente, com empresas nacionais bastante envolvidas e mercado consumidor abrangente e ávido por novidades. Os adultos citados na matéria não foram infantilizados pelo seu gosto por videogames, como a própria Veja fez anos depois em uma reportagem de 2006 ou 2007, quando uma jornalista usou repetidas vezes o termo pejorativo “joguinhos” para se referir aos games, além de ironizar os personagens da reportagem. Não há o preconceito e o pânico moral que se tornariam o padrão que já cansamos de ver e ler na imprensa tradicional, tanto a impressa quanto a eletrônica.


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Na segunda parte da reportagem, é interessante notar a forma como a questão da relação entre jogos e violência é retratada. Aqui volto ao que disse sobre a ingenuidade, pois não contive o riso ao ler sobre a preocupação quanto ao game Death Wish 3, baseado no filme homônimo do saudoso brucutu Charles Bronson (que era sempre aquele banho de sangue, em que no final apenas o próprio Bronson e o camera man sobravam vivos). Sim, porque os bonequinhos do jogo (que vale notar, já tinha disponível em várias versões antes da do NES) eram bem mais simpáticos e cartunescos do que o que havia no filme, esse sim violento e explícito. Mas por outro lado, é interessante também notar como a matéria cita os “críticos mais ferozes da videogamemania”, mas não lhes é dada a razão de forma automática, como se tornou padrão posteriormente, e sim são citados apenas como o que realmente são: uma voz discordante e conservadora, que é o que realmente são.


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Outro detalhe interessante é como a matéria se porta como uma mediadora entre pais e filhos nesse processo, uma abordagem que não me lembro de ter visto em nenhuma outra matéria posterior. Ao invés de dar voz a um monte de bobagens pseudo científicas, o jornalista foi pela linha óbvia e lógica, ou seja, que cabe aos pais negociarem com os filhos e procurar entender um pouco do universo gamístico, para que assim procure-se estabelecer uma relação harmônica. Talvez o único erro do jornalista nesse sentido foi o de apostar de que os games seriam uma moda passageira, ao afirmar “Por enquanto, essa é a lei, pelo menos até que a devoradora imaginação das crianças condene ao esquecimento mais essa geração de brinquedos eletrônicos”. Não é o caso de condenar o jornalista por esse deslize – afinal, vários outros profissionais de outras áreas condenaram os videogames, considerando-o apenas uma bolha infantil – mas não deixa de ser irônico que 21 anos depois da reportagem o NES continue a ser um dos consoles mais queridos e reverenciados até hoje. Aliás, na época dessa revista eu estava para completar seis anos de idade e já conhecia boa parte dos jogos listados na reportagem, até o Power Pad eu cheguei a jogar (conhecido como o pai do Wii Fit).

Aliás, assim como o garoto citado na terceira página da reportagem, eu também queria ser “o boneco que aparece na tela”. Essa era a magia que os clássicos causavam na molecada, aquilo que o Malstrom se referiu na entrevista que fiz com ele como sendo o videogame como o “teatro da mente”. Ao contrário dos conservadores babões da época, que diziam que os videogames matavam a imaginação e prendiam as crianças em casa, ao menos no meu caso e de conhecidos da época, levávamos os games para as brincadeiras de rua. No lugar da polícia e ladrão ou amarelinha, rolava Street Fighter 2 com hadoukens e “tek tek tchuguens” imaginários, isso entre outras coisas. Mesmo hoje não duvido que seja diferente, apenas com outro contexto.

Bom, é isso amiguinhos. Não irei me alongar mais, mas recomendo fortemente que vocês leiam a matéria por completo, uma leitura deveras divertida. Não tanto pelo lado da nostalgia (acreditem, nem sou nostálgico e acho que nem tenho idade para isso), mas sim pelo fato de como fica claro a mudança para pior da mentalidade em relação aos videogames pelo lado de quem é fora desse universo.

*Crédito das imagens usuário Harlock, do Fórum Uol

André V.C Franco/AvcF – Loading Time.

10 thoughts on “Uma viagem de volta a 1989

  1. DEMAIS!!!

    O foda é que, naquela época, ser ‘mediador’ vendia revistas. Hoje em dia, falar mal vende.

    Se amanhã (tomara!) falar bem vender… vai todo mundo apoiar.

    Nós, consumidores e leitores, que somos o Anti Spam definitivo desse monte de lixo.

  2. @Betinho

    Falar bem não é necessario!
    É Necessario falar a verdade imparcialmente. Apenas isso 😉

  3. So para complementar a informacao, a edicao da Veja mencionada onde o reporter chama os games de joguinhos e a de numero 1916 de 3 de agosto de 2005.
    Tenho vontade de saber qual e a opiniao da Senhora Laura Ming (reporter do artigo) sobre os games hoje em dia, o perfil dos jogadores e os bilhoes que essa industria movimenta…
    Que artiguinho mais infeliz….

    Comentário do AvcF: é essa mesma a edição, Kenji, na mosca.

  4. Rodrigo, desde quando imparcialidade vende?

    E outra… o “falar bem” ali – obviamente – é uma contraposição ao “pânico moral” e todo o preconceito existente atualmente.

  5. Excelente artigo!
    Confesso que me diverti muito, literalmente chorei de rir com alguns detalhes como a associação poética e filosófica com William Blake… Não consigo para de rir. Muito comédia!
    O “guia para os pais” também não deixa de ser muito engraçado entre outras coisas, entretanto merece um destaque:
    – “Deixe as crianças jogarem senão elas irão jogar em outro lugar” …Sem comentários!!
    – “Aprenda a linguagem dos cartuchos. Isso pode significar muito numa conversa com os filhos” …Pascal!?! Oh! Quem é este gajo? …Não resisti!
    – “Encontre uma moral na mania. O videogame é uma excelente maneira de desenvolver o espírito esportivo” …Dou um desconto pois era difícil imaginar que uma simples partida de Street Figther poderia até ser motivo para sair na porrada na vida real.
    Espírito esportivo o escambau! O que a molecada queria e ainda quer é vencer seu oponente a qualquer custo, seja ele homem ou máquina, mesmo que seja preciso usar cheats para alcançar a vitória. No mundo dos games, vencer sempre foi a única coisa que importa!
    Deveriam procurar encontrar alguma moral entre os políticos daquela época e em suas próprias vidas, não em videogames… Talvez, os pais daquela época que atualmente “governam” este país pudessem ensinar os seus filhos que trapacear é o que é realmente imoral… Acho que todos os Petistas são cheaters e o Lula é hacker. Estou vendo a hora que o Brasil vai tomar um DC e Game over para todos nós… Ainda estou tentando encontrar alguma moral nesta realidade.
    – “Recompense as crianças… Jogar só depois de um prato de verduras” …Eurimuito!
    – Não perca a paciência…

    Haja paciência!!!

  6. @Paulo,

    Não sue o termo “Petistas” dessa forma… essa corja suja está em todos os niveis da politica nacional, seja situação ou oposição. Se fossem outros q estivessem no poder, vc realmente acha q seria diferente???

  7. Off-topic – já que eu fui o culpado por desviar um pouco do assunto… Teria sido intencionalmente!?! Quem sabe?? kkkkk
    Obrigado por responder Rodrigo, e sinceramente eu prefiro me lembrar da época “do seu parente” FHC que poderia dizer com segurança que era um presidente de verdade e não esse “Ali Babá” com sua corja de ladrões inescrupulosos que está há tempo levando o país à uma ditadura velada (agora mais explícita do que nunca) e indecente. Lembrando também que o famigerado PT tem bases comunistas e socialistas e que todo mundo sabe na prática que só funcionam sem uma ditadura no papel e no imaginário de pseudo-filósofos… Curiosidade: A matéria de capa da revista citada aí em cima é o debate do Lula com Collor hauhauahu (boa André!)

    É isso aí Z! Concordo totalmente que petista fede!!! hauhauhau

  8. A Globo COMO SEMPRE (não é de hoje – e não acaba hoje.. :S) com seu sensacionalismo barato, mostrando/distorcendo as coisas como se elas fossem infinitamente mais terríveis do que elas realmente são, prá ver se abocanha uns números à mais de audiência. E o telespectador básico da Globo (aka. “burro”) cai nessa e enriquece os bolsos dessa emissorazinha de quinta…

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