Série: Entre mortos e desaparecidos – Interplay

Saudações a vós.

Em mais uma série de textos do Loading Time, falarei de empresas que ou acabaram ou simplesmente desapareceram do mundo dos videogames (ou ao menos que não se ouviu mais falar). Falarei de produtoras que ou por incompetência, mediocridade, ruindade pura ou questões administrativas, acabaram por se tornar apenas história no vasto universo dos criadores de jogos. No primeiro post dessa série de textos falarei de uma empresa que teve grande importância durante a década de noventa: a Interplay. Texto na continuação do link.

Fundada em 1983 no sul da Califórnia, a Interplay foi criada para ser produtora e distribuidora de games. A área de atuação principal era a plataforma dos PCs, que ao contrário dos consoles naquela época, vivia uma ascensão. Relembrando um pouco a história dos videogames, o mercado de consoles estava a beira do colapso, com a Atari fazendo burradas atrás de burradas, como o histórico e constrangedor caso do game E.T, além de que as empresas envolvidas como a Coleco e a Mattel (dona do Intellivision) registravam enormes perdas. O final desse evento é conhecido, com o crash de 1984 e a falência e posterior venda da Atari, muitos “especialistas” (sempre eles…) na época chegaram a declarar que os videogames foram apenas um fenômeno, uma moda passageira.

No caso dos PCs o cenário era exatamente o contrário, o sucesso do padrão IBM PC (alguém se lembra do selo “IBM compatible”?) em 1981, contribuiu para a expansão desse mercado. Com o tempo, os computadores se popularizaram entre as pessoas comuns, saindo do formalismo dos escritórios e empresas, criando um cenário ideal para que as empresas criadoras de jogos explorassem esse filão. A Interplay fez parte de uma leva de empresas do nível de Lucas Arts, Electronic Arts, Sierra, Origin, entre outras grandes que fizeram games memoráveis naqueles tempos. Diferente dos consoles que possuíam perfil familiar/infantil, os PCs eram voltados a um público mais adulto e consequentemente mais maduro. Isso fez com que um dos gêneros que maior sucesso fosse os adventures, jogos com pouca ação e movimentação, mas recheados de textos, quebra-cabeças e situações adultas. Jogos como King’s Quest, Akalabeth e Ultima eram referências, e aí a Interplay emplacou seu sucesso Neuromancer, adventure reconhecido pelo seu humor nerd e levemente baseado no livro de Willian Gibson.


Capa estilosa do Neuromancer

No mesmo ano do Neuromancer, a Interplay lançou o ótimo Battle Chess, um dos primeiros jogos que tive contato, ainda no jurássico PC-XT com monitor de fósforo verde do meu pai. Embora fosse péssimo jogador de xadrez, me divertia horrores com as animações das peças se matando durante as partidas, como a torre que se transformava em um monstro de pedra para esmagar o pobre peão, ou quando a rainha usava suas artimanhas para matar o cavalo (que era na verdade um cavaleiro no jogo) ou o bispo, que aparecia como um mago. Confesso que não ganhei uma só partida do computador, nem por vontade, nem por competência, já que eu mal conhecia as regras do jogo. Meu negócio mesmo era só zoar e ver o que acontecia. De qualquer forma, o jogo era muito competente e gerou diversos clones ao longo dos anos, quase sempre aquelas picaretagens temáticas, estilo Star Wars ou Star Trek Chess, típicos joguetes safados que só servem para arrecadar uns níqueis extras.

Os anos noventa

Foi nessa década que a Interplay realmente brilhou e se tornou um nome a ser lembrado. A começar pelo lançamento em 1991 do clássico eterno Out of this World, ou em outros lugares, Another World. Projetado inteiramente pelo designer francês Eric Chahi, Another foi um dos primeiros games de sucesso a criar um mundo virtual à base de gráficos vetoriais, saindo do tradicional esquema de sprites. Além disso, era um game difícil, com gameplay excelente e narrativa com estilo cinematográfico, tudo isso em uma época em que os jogos costumam ter propostas simples. Não era um jogo para qualquer um, não era familiar e era muito mais uma peça artística do que comercial, ainda sim a Interplay enxergou o potencial do jogo e apostou acertadamente na idéia de Chahi. Três anos depois foi lançada uma seqüência chamada Heart of the Alien, lançado exclusivamente (pasmem vocês!) para o Sega-CD.

E não é que o Sega-CD teve algum game que preste?

Outro game histórico lançado nessa década foi o clássico de simulador espacial Descent, em 1995. Com gráficos inteiramente tridimensionais em um período em que praticamente nem se falava em placas aceleradoras de vídeo, Descent foi o primeiro game com exploração total do ambiente tridimensional, era cheio de labirintos complicados e era extremamente difícil. Era um título de público restrito, já que necessitava de muita prática para ser dominado e aproveitado. Até chegou a ser lançado para o Playstation, mas foi no PC que encontrou se nicho cativo.

1997 foi o ano que dois clássicos foram lançados pela Interplay: MDK e Fallout. O primeiro era um jogo de tiro que tal qual Descent, seus gráficos tridimensionais eram tecnicamente impressionantes, cujo visual era propositalmente meio bizarro e um tanto ficção científica. Também teve uma versão lançada para Playstation, além de uma continuação para PC e Dreamcast. Já Fallout se trata de um RPG com fundo pós-apocaliptíco, mas produzido de forma mais convencional, com gráficos 2D isométricos e baseado nas características mais tradicionais do RPG ocidental, bem diferente dos jogos da Square, por exemplo.

Nos consoles o maior sucesso da companhia foi o game de ação e plataforma Earthworm Jim, sucesso no Super Nes e Genesis. Também distribuiu alguns games da Blizzard como Rock and Roll Racing e Lost Vikings na mesma geração. Posteriormente lançou versões medonhas de Clay Fighter e Earthworm Jim para Nintendo 64. Já era o sinal da decadência.

A ida para o vinagre

No final da década a Interplay estava em sérios apuros financeiros. O sinal mais evidente de que a vaca tinha ido para o brejo foi a notícia de que a companhia iria ser vendida e que buscava um comprador. Para piorar a situação, a companhia foi se desintegrando, com perdas sucessivas como a venda da Shiny (estúdio responsável pelo MDK) e da marca Fallout, por exemplo. A Interplay também amargou fracassos comerciais com seus games, como Descent 3 que custou uma nota preta e teve vendagem pífia. O final foi melancólico: terminou vendida para a francesa Titus, produtora nojenta, responsável por lixos do nível de Superman 64 e Xena: Warrior Princess. É de dar asco, até.


É isso que se vê quando chega-se ao fundo do poço.

No fim das contas eles ressucitaram o site da empresa e tem até uma notícia que conta que eles estão tentando levantar fundos para a produção de um Fallout em MMORPG, o que duvido muito que saia um dia. Mas a verdade é que aquela Interplay dos áureos tempos não existe mais, o que há hoje é apenas um logo vazio, uma marca que mais nada tem a ver com aquilo que foi um dia. Era uma empresa com portifólio riquíssimo, povoado quase que só por clássicos, contudo acabou sucumbindo mesmo assim. Infelizmente o mundo dos videogames não é justo e nem sempre os melhores se sobressaem, faz parte do jogo, paciência. O mercado seguiu em frente, mas para principalmente para aqueles que dedicaram muitas horas de jogatina em frente a seus computadores, deve muito a Interplay.

Abraços e até o próximo post.

Próximo capítulo: Acclaim.

André V.C Franco/AvcF – Loading Time.

10 thoughts on “Série: Entre mortos e desaparecidos – Interplay

  1. Poxa, você foi citando os jogos no texto e eu fui lembrando que joguei a maioria, mas nem lembrava de quem era.

    Uma pena que muitas produtoras boas tenham acabado ou sido compradas por empresas não tão boas assim.

  2. Cara, Carmageddon é tão vergonhoso que deveria ser simplesmente esquecido, empurrado para debaixo do tapete, mesmo. O Cyberia eu realmente fiquei devendo, não joguei na época e pouco sei sobre esse jogo.

  3. Excelente! Como sempre, aliás!

    Só faltou de citar alguns games clássicos, que joguei no Amiga. O próprio Neurmancer ganhou uma versão foda pra le. Outro game foda, Flashback e Another World. Outro fodástico adventure foi Cruise for a Corpse. FODASTICO! (pra época)

  4. avcF, espero seu p´roximo post sobre a Acclaim: produtora horrorosa que a única coisa que fez decente foi a conversão de MK2 para o Snes E Mega.
    Só de lembrar daquele LIXO de Spawn do PS1 me dá vontade de vomitar…

  5. Oba, mais textos em série! Putz Earthworm Jim marcou minha infância, gostava muito daquele estilo de humor. Ouvi dizer que Earthworm Jim e MDK terão novas versões para os portáteis, mas dúvido muito. Também se for para fazer M@#$ é melhor nem fazer. Hum, empresas que desapareceram ou morreram? Você vai falar sobre a SEGA? Opa, brincadeira seguistas…………. só tava zuando!

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