Pérolas publicadas 4: propaganda do Atari no Brasil

Saudações aos honestos.

E dá-lhe pérolas. Desta vez essa é um pouco diferente, já que não foi uma bobagem dita exatamente em uma publicação, e sim uma asneira “progandística”. Cliquem no link e acompanhem.

A pérola de hoje veio de um lugar muito muito distante na galaxia…de uma revista chamada Videogame Guia de, se não me engano, 1985. Pois é, do arco da velha, de fato. Eu mesmo não devia ter nem dois anos quando ela deve ter sido publicada.

Devido ao meu gosto de pesquisar tudo sobre games, acabei achando alguns pdfs de revistas muito antigas e no meio da última leva que encontrei, lá estava esse “Videogame Guia”, com uma extensa lista de jogos para Atari e Odyssey. Na verdade, o guia era uma espécie de edição especial (se entendi certo) de uma tal de revista SOMTRÊS, a qual nunca ouvi falar antes. Não encontrei nenhum problema em espécifico com o guia, que era um simples descritivo textual dos jogos, com uma ou outra foto de algum cartucho. Mas o absurdo mesmo foi quando me deparei com a primeira propraganda da revista, um anúncio aparentemente bem feito do Atari. Mas infelizmente era só aparentemente. Vejam por vocês mesmos:

Provavelmente se eu levasse essa peça para mostrar em alguma faculdade de Design Gráfico ou de Publicidade, seria motivo de risos, mesmo levando em conta a idade dessa bagaça. Como diria Jack o Estripador, vamos por partes. Vendo por cima, diria que um leitor “de olho” (é aquele leitor que apenas o título e/ou inter-título e já vira a página sem ler o resto) passaria rapidamente e nem notaria nada. Mas um olhar atento começa a ver as atrocidades. Ao visualizar o ambiente geral notamos um jogador forçadamente empolgado jogando videogame em um ambiente escuro, ao fundo alguns painéis. A frente em destaque (claro) o Atari, bem fotografado e com ar de máquina modernosa.

Voltando ao zézão da propaganda, uma pergunta torturante martelou em meu cérebro: POR QUE QUE ALGUÉM JOGARIA VIDEOGAME NO ESCURO DE ÓCULOS ESCUROS ESPELHADOS, AINDA POR CIMA? Nem o Stive Wonder tiraria umas partidas desse jeito. E qual a razão daquela luz vermelha? Por acaso o menino está jogando em um puteiro? Não consigo imaginar uma cena de um adolescente pedindo para a sua mãe, para ir jogar Atari em uma casa de tolerância. Devia ser super legal ser o rei dos games enquanto se passa o joystick para a “Renatinha fogosa” depois de vencer a “Pamela depiladinha”. Além do mais, algum ser humano no planeta Terra algum dia já jogou videogame de jaqueta? Creio que não.

Mais ainda não chegamos no pior. Prestem atenção no slogan da propaganda: “O INIMIGO N1 DA SOLIDÃO”.Percebe-se aí que o redator e o publicitário responsáveis pela estrovenga provavelmente nunca jogaram videogame em suas vidas, e nada deviam entender do assunto (ainda mais em 1985). De onde eles tiraram que videogame é coisa de solitários, ainda mais que o Atari era um console cuja imagem era bastante familiar com seus vários jogos multiplayer. Jogos como Asteroids, Boxing, Combat, Decathlon, Mario Bros, Tennis etc, não me deixam mentir. Vocês devem ter visto que na parte debaixo há textinho, certo? Eu separei esse pedaço especialmente para vocês verem que o preconceito e a ignorância eram o mote da propaganda. Olhem:

Transcrevo (começa de cima para baixo, da esquerda para direita):

Atari. Antes com ele do que mal-acompanhado. Atari. Transforma um simples aparelho de TV numa máquina que vai além da imaginação.Atari. O fascínio da ficção dentro da realidade da sua casa. Atari. Comando nas mãos, imagens na tela, sonhos na cabeça. Atari. Televisão para participar, não só para assistir. Atari. De manhã, de tarde, de noite. A hora que você quiser. Atari. Muitos cartuchos já lançados. Atari. Todos os meses novos hits. Atari. Desenvolve a psicomotricidade do indivíduo. Atari. Um sistema de 6º geração combatendo a solidão. Atari. Quem tem esse inimigo não precisa de amigos, mas eles sempre aparecem.

Sério, esse foi um dos textos mais constrangedores que já li em uma peça publicitária. Para início de conversa, não se usa hífen na expressão “mal acompanhado”. Outra coisa que me incomodou é que parece que o redator acreditava que escrevia para analfabetos funcionais, ou pessoas burras mesmo. Digo isso porque do início até o final do texto ele escreveu “Atari” onze vezes, sempre seguido de ponto final. Pombas, já não tava na cara que se tratava de uma propaganda sobre o Atari? Por que tenho que ser tratado feito jumento e ser lembrado a cada linha que estou lendo sobre o Atari? Ou por acaso os leitores do Videogame Guia sofriam de perda abrupta de memória? Isso porque a Dori do desenho Procurando Nemo ainda nem havia sido inventada.

Aí o texto segue por uma sequência de frases cafonas e exageradas, até cair na vala da picaretagem pseudocientífica com a pérola da pérola “Desenvolve a psicomotricidade do indivíduo.” Se nem atualmente há qualquer pesquisa científica que certifique essa informação, quanto mais naquela época. Sabe-se que nenhum videogame sozinho desenvolve nada no jogador, no máximo contribui em algum processo que for, seja aumento de percepção, coordenação motora ou reflexo “olho/mão.” Pois é, além da propaganda ser ruim, ela é desonesta.

A frase seguinte, como diria o seu Ladir do Toma Lá dá Cá, é “MARA!” Em que espaço/tempo o Atari é um console de sexta geração? Em 1985 ainda? O Atari foi um console de terceira geração, ao lado do 5200, Itellivision e Colecovision. Sexta geração ocorreu bem depois com Playstation, Nintendo 64 e Saturn. Ou seria engano meu e o publicitário era na verdade um viajante espacial com poderes psicocinéticos? Vai saber. Apesar que a moda espacial estava muito em voga nos anos oitenta. No final da frase, novamente surge a idéia do jogador de videogame como um ser solitário e dependente do console para ter alguma coisa para fazer. Essa era uma idéia que além de falsa é preconceituosa, pois embute obliquamente o conceito do videogame como entretenimento para pessoas anti-sociais e reclusas.

Para o final, claro, deixei o crème de la crème, a cereja do bolo. Magnífico: “Atari. Quem tem esse inimigo não precisa de amigos, mas eles sempre aparecem.” COM MIL DEMÔNIOS, QUE TIPO DE ANORMAL COMPRA UM CONSOLE PARA SER SEU INIMIGO? Aliás, por quê? Estou a dias sem dormir, tentando descobrir porque o Wii me odeia. O que será que eu fiz para ele? Ou será que minha ignorância quanto ao fato dele ter sentimentos (poxa vida, não sabia mesmo) o magoou a ponto da minha indiferença lhe causar ódio? Se bem que ele não me cumprimenta quando o ligo. Além dele ser meu inimigo, é tímido. Pior que minha consciência ficou arrasada ao lembrar que meu Nes, Snes, Nintendo 64, Gamecube e PSP também são meus inimigos. Aliás, seus também. Os consoles de vocês também te odeiam. Estejam avisados.

Outro questionamento decisivo para a sobreviência da humanidade é saber desde quando ter amigos é um problema para quem tem um videogame? Jogar com dois ou mais jogadores sempre deixou qualquer jogo mais divertido, isso em se tratando de qualquer aparelho ou gênero que seja. O que me permite concluir que se segundo a propaganda, o jogador de videogame, além de solitário e anti-social, é também um sociopata, a ponto de ver os amigos (como é que tem amigos se é solitário?) como um problema desnecessário a ser evitado.

Ainda bem que aquele estudo sem vergonha de Utah não foi publicado naquela época. Já pensou ver a foto do menino com um daqueles gorros de lã coloridos e na parte debaixo estar escrito algo como “Comando nas mãos, vertigens na tela, fumaça na cabeça.” Ou ainda “Comando em uma mão, baseado na outra, uma viagem eletrônica que vai além da imaginação!” Até o Bob Marley viria para o Brasil só para comprar um Atari.

Pelo menos nos anos noventa tivemos uma fase muito melhor da publicidade de videogames no Brasil com as propagandas da Nintendo e da Sega. Ao menos nisso o país já foi bom. É isso aí, após todas essas linhas vou ficando por aqui, meus estimados solitários. Abraços e até o próximo post.

André V.C Franco/AvcF – Loading Time.

13 thoughts on “Pérolas publicadas 4: propaganda do Atari no Brasil

  1. Eu adorei “Transforma um simples aparelho de TV numa máquina que vai além da imaginação”, hehehehe.

    Também achei que 6ª geração era Dreamcast, PlayStation 2, Game Cube e X-Box.

  2. Quanto a isso de geração, sempre contei da seguinte forma:

    Primeira geração: Pong e Home Pong
    Segunda Geração: Consoles pré-atari (Odyssey, Channel F etc)
    Terceira geração: Atari 2600, 5200, Intellivision, Colecovision
    Quarta geração: NES, Master System e PC Engine
    Quinta geração: Genesis, Snes e Neo Geo
    Sexta geração: 3DO, Jaguar, Playstation, Saturn, Nintendo 64
    Sétima geração: Dreamcast, Playstation 2, Gamecube e Xbox
    Oitava geração: Xbox 360, Wii e Playstation 3

    Não tenho 100% de certeza se estou correto, mas sempre pensei que fosse dessa forma. Se quiserem pesquisar sobre isso, acho até interessante.

  3. Poxa cara…logo o lance mais “na cara” da propaganda vc não comentou.

    O Atari é o inimigo da solidão, mas então porque o cara tá sozinho jogando?

    e outra, quando falam que Atari é o inimigo que vc precisa ter, é com relação a Solidão. Inimigo da solidão, como a chamada da propaganda sugere.

    pessoal….videogames não falam com vc…..hoje parece que fala (eu até ouvi o meu me dizendo bom dia hoje) mas eles não se importam com vc. hauhauuahuhahuah

    Mas sobre a geração, eu tb tinha ideia que Atari, Collecovision e Odyssey fossem da mesma geração, e os novos videogames (NES e Master System) fosse os 1ºs da terceira geração.

    Me baseio no que li nessas revistas antigas que acompanhava muito

  4. Você tem razão, Alex, essa é só mais uma das bobagens da propaganda. É tudo tão mal escrito que ao mesmo tempo que diz que é o inimigo da solidão, o textinho da parte debaixo afirma que amigos são desnecessários. Fora que faria mais sentido dizer que um console é amigo da solidão, uma vez que ele lhe ajuda a passar o tempo de forma prazerosa e sentir menos a ausência do contato social. Fora que como disse no post, essa é uma idéia falsa e preconceituosa.

  5. @avcf

    Eu também não tenho certeza, falei mais pra ver se tinha uma confirmação. Na não tão confiável Wikipedia por exemplo há uma divisão diferente, mas que eu já vi muito por ae. Ainda fica a dúvida…

  6. Simplesmente HORRIVEL!!!! “Desenvolve a psicomotricidade do indivíduo”, como eles me colocam uma palavra dessa em uma propaganda? Psicomotricidade? Que raios é isso? Pelo menos essa página da revista serviria para alguem que está em um banheiro sem papel higienico. Abraços

  7. Huahuahuahua que frase é essa?????? “Companheiro dos solteiros dos solitarios, mal-amados, descasados” será que ele tinha razão????? huahuahuahua. Chorando de rir da materia hehe. Vlw

  8. Na segunda propaganda, quando ficam repetindo a palavra “Atari” eles estão usando uma estratégia psicológica. É algo subliminar ficar repetindo o nome. Tem nada de errado nisso.

  9. Lamentável nada, é totalmente excelente!!!!

    Se alguem souber quem foi o gênio que escreveu esse texto, me falem. Quero convidar o ‘Einstein da publicidade’ pra um churrasco em casa.
    E só pra ele, vou comprar um quilo de língua. kkkkk…

  10. “O INIMIGO N1 DA SOLIDÃO”
    parei aki
    ja entendi todo o resto
    o cara fica o dia inteiro jogando sozinho no quarto fechando e ainda acha que ta muito bem acompanhado!!!

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