Matéria especial: Quebra de paradigma: do 2D para o 3D

Saudações, ilustres pessoas.

Esse é um artigo especial que escrevi originalmente como um texto mais acadêmico, portanto não estranhem a linguagem um tanto mais rebuscada. Já vou avisando que o texto é extenso, porém creio que vale a pena vocês gastarem alguns minutos com ele. Enfim, matéria completa na continuação do link. Abraços e até.

Quebra de paradigma: do 2D para o 3D

Do 2D para o 3D: Super Mario Bros 3 (NES, 1988) e Super Mario Galaxy (Wii,2007 )

Introdução

Quando é analisada a evolução técnica e artística dos jogos eletrônicos, independente do sistema e da plataforma (consoles ou computadores pessoais), somando todos os pontos que serão discutidos dentro deste capítulo, esta transformação deu-se de forma mais significativa em meados da década de 1990, quando a base dos projetos passou a utilizar a terceira dimensão como elemento chave para toda a produção dos títulos. A aparentemente simples inclusão do eixo Z transformou a indústria criadora de jogos de maneira absoluta, a ponto dessa mudança ainda ser sentida e discutida tanto pelos jogadores quanto pelos profissionais envolvidos diretamente com os jogos. Todo um salto tecnológico foi necessário também para que fosse possível conceber máquinas e periféricos capazes de renderizar ambientes tridimensionais em tempo real, além de técnicas para aperfeiçoar a programação para que se pudesse extrair o máximo dos equipamentos e componentes disponíveis.

1. O início do processo

Houve uma mudança drástica no caráter artístico, pelo fato de que primeiramente os métodos de desenho (em relação ao modo de representação destes na tela) são diferentes entre si, dependendo das dimensões usadas. Não apenas os termos, mas os métodos são únicos dentro de cada modo. No mundo bidimensional desenha-se sprites, no tridimensional modelam-se polígonos. No 2D os artistas pintam imagens bitmap, no 3D além da pintura, são aplicados texturas, sombra, iluminação e efeitos (como ferrugem, brilho, rachaduras, sujeira, etc.).

A construção dos cenários e mundos virtuais também tornou-se gradativamente mais complexo conforme os projetistas aprendiam a usufruir plenamente da profundidade, já que nem todos os jogos tridimensionais são de fato jogados utilizando-se dos três eixos na estrutura de gameplay. A simples comparação dos jogos produzidos no meio da década de noventa com os títulos da geração atual, comprova facilmente essa tese. Durante este capítulo, esse tópico será debatido de forma mais especifica. É verdade que jogos com gráficos que simulavam tridimensionalidade existiam até antes dos anos noventa, mas eles eram concebidos e jogados de forma bidimensional, grosso modo muitos deles eram iguais aos demais e só diferiam esteticamente.

Com base na bibliografia consultada, conclui-se que os gráficos tridimensionais começaram a ficar mais freqüentes com a popularização dos computadores pessoais e consoles com processadores 16 bits, dando potência para a realização de projetos mais ambiciosos. No caso dos consoles, essas mudanças começaram pelos Arcades, que eram o principal parâmetro de qualidade técnica que os aparelhos de videogames tentavam alcançar. Ao contrário dos consoles que tinham suas especificações técnicas fixas e só mudavam ou na geração seguinte ou via periféricos externos, alguns Arcades eram montados em torno do que o jogo exigia o que lhes conferia uma qualidade acima dos padrões em suas épocas. Alguns desses eram inclusive experiências únicas, voltadas mais para o lado experimental do que os jogos comerciais comuns, como era o caso de Time Traveler, lançado em 1991 pela empresa japonesa Sega (figura 1).

Um outro aspecto deveras importante dentro desse processo de transformação foi a mudança das mídias de armazenamento dos jogos. O espaço disponível sempre é um dos principais pontos a ser considerado no game design, isso quando não é um obstáculo. Ao conceber um jogo, os produtores centralizam todas as opções em torno da quantidade de espaço de que dispõem. Obviamente, quanto mais megabytes, mais e melhores músicas, gráficos com efeitos mais sofisticados, filmes e animações pré-renderizadas e uma maior quantidade de horas jogáveis. Durante a era dos cartuchos era difícil e caro conseguir mídias com um ou dois megabytes, com a ascensão dos CD-Roms, essa quantidade saltou para 600 MBytes e a um custo de produção bem menor. Apesar da lentidão na transmissão de dados dos primeiros leitores, a adoção da mídia óptica foi rápida entre os desenvolvedores de todas as partes do mundo [Forster, 2005].

2. A diferença entre o ver e jogar

Devida à complexidade de tal transformação, ela não ocorreu de maneira uniforme. Houve várias tentativas frustradas durante o caminho. Mesmo no final dos anos oitenta/inicio dos noventa, não era difícil de imaginar que os jogos eletrônicos um dia seriam capazes de reproduzir complexos mundos virtuais. Até os jogos puramente bidimensionais, quando podiam, se utilizavam de técnicas que simulavam a tridimensionalidade, como rotações, zooms e distorção de imagens, como alguns títulos do Super Nintendo, como F-Zero, por exemplo, (figura 2). Mas a verdade, é que todas essas implementações raramente influíam na estrutura de jogo, essa era a real e maior dificuldade dos primeiros jogos em 3D: como jogar em três dimensões, não apenas ver através delas.

Durante o começo da evolução dos jogos eletrônicos, quando estes passaram de alguns pixels para imagens detalhadas e coloridas, o gameplay precisou progredir simultaneamente e o reflexo mais aparente disso foi o acréscimo na quantidade de botões dos joysticks (ver foto). A tridimensionalidade também exigia seu preço nesse quesito. Os primeiros jogos 3D de corrida como F1 Circus (Namco, 1988) e Virtua Racing (Sega, 1992), a despeito do fato de utilizarem volante e pedais para contribuir com o realismo da experiência, eram jogados exatamente da mesma maneira que os seus similares bidimensionais, como Rad Mobile (Sega, 1990), por exemplo. A principal vantagem que a profundidade de campo trouxe a estes jogos era a possibilidade de ter diferentes opções de câmera. Com elas era possível visualizar o que acontecia em volta e ter um ângulo de visão bem maior que o dos jogos bidimensionais que tinham câmera fixa. No supracitado Rad Racer, o jogador era limitado pelo o que era possível enxergar pelo pára-brisa do carro, sendo impossível, por exemplo, ter uma tomada aérea da pista ou controlar o carro pelo lado de fora. Já em Virtua Racing era possível controlar o carro tanto pelo cockpit, como por de trás do veículo ou ainda ter uma visão panorâmica da pista.

Outro expoente desse período foi o jogo Another World (Interplay, 1991), que seguia o gênero ação com ficção científica. O jogo foi concebido como uma mistura de cenários bidimensionais com personagens e elementos vetoriais, criando uma profundidade e um estilo estético únicos para sua época, ajudando também a se distinguir dos jogos comuns feitos com sprites. As rotinas de animação dos personagens foram feitas de forma a tornar a movimentação mais próxima de um ser humano real [Chahi, 2007, apud Eurogamer, 2008, www.eurogamer.net/article.php?article_id=72345]. Another World também primava pelas cenas pré-renderizadas não interativas, desenhadas pelo francês Eric Chahi, com técnicas narrativas cinematográficas. Ainda assim, uma jogabilidade parecida e a mesma técnica de animação foram empregados em Prince of Persia (Broderbund, 1989) com resultado próximo e de forma totalmente bidimensional, três anos antes de Another World (figura 3).

A grande limitação para a produção de jogos totalmente tridimensionais era a dificuldade que os equipamentos da época tinham para renderizar ambientes com profundidade de campo e no mesmo nível de detalhes que os bidimensionais tinham. As técnicas de textura e iluminação ainda eram prematuras, as placas aceleradoras de vídeo ainda não existiam então o design era o elemento fundamental para os produtores lidarem com o que o projeto pedia e o que lhes havia em mãos. Foi o jogo Myst (Broderbund, 1993), cujo foco da aventura era a exploração, um exemplo de como o design bem aplicado era capaz de superar as limitações técnicas. Aqui os jogadores navegavam em um mundo construído por ambientes produzidos via imagens geradas por computação gráfica pré-renderizada, com o mouse clicava-se em determinados objetos que interagiam com o usuário, gerando quebra-cabeças extremamente bem executados. O jogo não era verdadeiramente tridimensional, pois não era permitida a livre movimentação pelo mundo virtual, uma vez que este não era gerado em tempo real [Forster, 2005]. Porém, o design do jogo foi perfeito dentro de sua proposta que era a de fazer o jogador se sentir inserido em um mundo virtual fantástico e enigmático. Ainda de acordo com o livro, Myst exibia gráficos que só seriam possíveis em tempo real cerca de dez anos após seu lançamento.

2.1 Andar entre os eixos

No universo dos consoles, a primeira experiência produzida totalmente tridimensional foi Star Fox (Nintendo, 1993), jogo de tiro espacial com personagens cartunescos. Devido ao fato do Snes, console de mesa da japonesa Nintendo com processador 16 bits, não ter sido originalmente projetado para manejar gráficos em terceira dimensão, segundo Forster [2005], foi assinado uma parceria com a empresa britânica Argonaut para o desenvolvimento de um chip extra para o processamento matemático necessário para tal tarefa. O processador extra era inserido em cada cartucho e auxiliava o processador principal do console (que sozinho era lento demais), movendo e sombreando cerca de cem polígonos por segundo; o chip foi batizado de Super FX como forma de marketear a inovação. Ainda sim, o mundo de Star Fox era geometricamente simplório, primitivo e a taxa de quadros por segundo era baixa em comparação a outros jogos do console (Figura 4).

Uma das soluções encontradas pelos game designers foi projetar toda a estrutura de jogo para o sistema conhecido como “on rails” (em trilhos, em português), ou seja: o jogo controla sozinho a direção pela qual a nave seguia e disparava os acontecimentos da trama (como os diálogos das transmissões de rádio e aparições de inimigos-chave) de forma pré-programada, cabendo ao jogador apenas os controles básicos da nave, como atirar, frear, dar piruetas e se movimentar dentro das limites impostos pelo tamanho da tela. Apesar dessa opção de jogabilidade ter sido bem executada, com bom ritmo e encaixada com a proposta do jogo, essa decisão foi motivada principalmente pelas limitações impostas pelos baixos limites técnicos do console, que não agüentaria renderizar um mundo com movimentação livre em 360 graus.

Somente dois anos mais tarde, o clássico dos computadores Descent (Interplay, 1995) foi capaz de implementar a exploração do espaço tridimensional. No controle de uma nave espacial, os jogadores tinham total liberdade de movimentação em todos os eixos, principalmente pelo fato de que não havia a influência da gravidade, tornando possível diversos movimentos como loopings, parafusos e viradas, tudo de modo bastante fluido. O design de fases foi muito bem feito, de modo que aproveitava plenamente da tridimensionalidade, com passagens secretas, itens escondidos e tudo construído de modo que não fosse óbvio, estimulando o jogador a explorar todos os cantos das enormes fases. Diferentemente do padrão da época, os inimigos eram poligonais e possuíam rotinas de comportamento artificial consideradas complexas para o seu tempo, alguns deles, inclusive, eram capazes de executar os mesmos tipos de movimentos que o jogador, obrigando-o a adotar diversas estratégias para vencer os desafios propostos pelos designers. Descent teve mais duas continuações, porém, uma série de problemas jurídicos e financeiros culminou na falência da Interplay, impossibilitando um quarto título da franquia. [Gamespot,2007,www.gamespot.com/pc/action/descent/news.html?sid=6182846&om_act=convert&om_clk=gsupdates&tag=updates;title;1].

Em 1995, o Playstation estava no inicio de seu ciclo, ganhando adeptos em todo o mundo de forma impressionante, acompanhando a tendência gerada pelos computadores, o foco do console da empresa japonesa Sony eram os gráficos poligonais. “O Playstation tinha um único chip de processamento com geometria tridimensional na sua CPU. Esse processador junto com as excelentes ferramentas de desenvolvimento que a Sony disponibilizou, tornaram o Playstation fácil para se programar” [Kent, 2001, p.504]. Um de seus jogos iniciais que demonstrava bem isso era Jumping Flash! (Sony, 1995), plataforma com visão em primeira pessoa onde um robô em forma de coelho explorava mundos tridimensionais abertos. O jogo alternava entre corredores estreitos e largos continentes flutuantes, onde o jogador podia dar grandes saltos que demonstravam bem a amplitude dos cenários. A jogabilidade lenta e o design de fases genérico e simplório (até para os padrões da época), o jogo rapidamente caiu no esquecimento, especialmente após o lançamento do genial Mario 64 (Nintendo, 1996).

O jogo do encanador italiano foi aclamado pelo público e pela crítica como sendo o novo padrão para o gênero de plataforma em 3D, com um nível de qualidade muito acima dos concorrentes. De acordo com Kent (2001), a Nintendo vendeu 300.000 cópias de Mario 64 apenas no dia em que foi lançado no Japão. A proposta do jogo era demonstrar a grande capacidade técnica do Nintendo 64, e conseguiu impressionar a todos com seu design soberbo, mas principalmente pela jogabilidade perfeitamente projetada para a exploração do mundo tridimensional. Mario possuía uma grande gama de movimentos, podendo subir em árvores, escalar, nadar e mergulhar em locais profundos, ao saltar era possível se apoiar em paredes para alcançar plataformas mais altas, tudo funcionando de forma intuitiva. Outro diferencial era o joystick do console que possuía um stick analógico (em adição ao antigo direcional em forma de cruz). Com ele, a navegação dentro dos mundos virtuais melhorou muito, já que o analógico é capaz de se movimentar em 360 graus com precisão – fora que era capaz de reconhecer diferentes níveis de pressão aplicados pelo dedo do jogador – ocasionando movimentações mais realistas.

O jogo foi concebido de forma que usufruísse plenamente desse artifício, aliado ao design belíssimo dos cursos temáticos que influíam na forma de controlar o personagem. Nas fases aquáticas, por exemplo, a jogabilidade era influenciada pela simulação da inércia que Mario sofria dentro d’água. O mesmo tipo de processo ocorria em locais com neve ou areia, onde Mario afundava ou escorregava, afetando diretamente a movimentação do personagem que realmente parecia ter peso. O mundo do jogo não era apenas um grande palco funcional com diversos obstáculos. Era orgânico (figura 5).

2.2 Busca pelo realismo

As melhorias tecnológicas paralelamente à consolidação dos jogos em 3D, junto aos mercados consumidores, transformaram definitivamente o jeito de se produzir os videogames. Embora determinados gêneros de jogos ainda aproveitassem melhor o estilo bidimensional de jogabilidade, a maioria dos títulos começaram a rumar para o mundo poligonal de maneira definitiva. Os primeiros jogos que buscaram essa mudança foram os esportivos, ainda na metade dos anos noventa. Seu forte apelo comercial estimulou as produtoras a desenvolver o quanto antes sistemas gráficos adaptados para o ambiente tridimensional, especialmente nas modalidades mais populares.

Umas das pioneiras foi a produtora estadunidense Electronic Arts, que fez o primeiro jogo esportivo licenciado da história dos jogos eletrônicos em 1983, o One on One, com os atletas da liga norte americana de basquete Julius Erving e Larry Bird [DEMARIA and RUSSEL, 2004]. Com o passar dos anos a produtora tornou-se mundialmente conhecida pelos seus títulos esportivos. O primeiro jogo de futebol licenciado foi Fifa International Soccer (Electronic Arts, 1994), cuja versão do console 3DO, da Panasonic, era 3D [Gamefaqs,www.gamefaqs.com/console/3do/home/584384.html]. Diferentemente do Super Nes e Genesis que eram bidimensionais, no 3DO as partidas aconteciam em um estádio tridimensional renderizado em tempo real, a câmera não era fixa, se movimentando conforme as ações em campo se desenrolavam, além de ser capaz de rotacionar de acordo com a trajetória da bola. Porém o principal elemento do futebol, os jogadores, eram sprites chapadas iguais aos jogos tradicionais, cuja baixa resolução os deixavam com aspecto estourado quando a câmera se aproximava. As rotinas de animação utilizavam poucos quadros por segundo, tornando a movimentação dura e mal executada, não havia qualquer diferença entre os atributos físicos dos atletas. Era impossível distinguir jogadores do mesmo time pela aparência.

A primeira experiência bem sucedida veio do Japão com o lançamento de Jikkyou J-League Perfect Striker (Konami, 1996) para o console Nintendo 64, lançado no ocidente como International Superstar Soccer, em 1997[Gamefaqs,2008,www.gamefaqs.com/console/n64/home/944295.html]. O design do título foi projetado para ser jogado aproveitando-se dos três eixos de modo pleno. Seu sistema gráfico foi programado para renderizar não apenas os estádios e o campo, como os jogadores utilizando polígonos, tornando-os distinguíveis e com diferenças claras de tamanho e velocidade, afetando diretamente no funcionamento das partidas de futebol. A modelagem poligonal permitia aos designers criar movimentos que simulavam de forma convincente (para os padrões da época) os movimentos dos jogadores reais, incluindo dribles como o “chapéu” e a “chaleira”. Aspectos como formação tática, posicionamento, marcação e até as habilidades individuais dos craques eram decisivos no desempenho dos times durantes as partidas, de forma que fizesse a experiência ser mais completa que os demais títulos futebolísticos (figura 6)

Outro diferencial importante do International Super Star Soccer era seu design de som acima da média, que contribuía para uma maior imersão do usuário com o jogo. Os títulos anteriores apenas aplicavam ruídos genéricos para simular o barulho gerado pela arquibancada de um estádio cheio, de modo quase ininterrupto e aleatório, eventualmente se tornando mais intensos quando um gol era marcado. Em I.S.S.S, a equipe de produção foi capaz de criar diferentes tipos de manifestações, com ritmos distintos que se alternavam dependo do que ocorria em campo. Quando o usuário criava situações de perigo para o adversário ou perdia uma chance clara de gol, a torcida reagia ao lance. Além disso, a voz pré-gravada de um narrador real se fazia presente não apenas no grito do gol, mas com frases e comentários imitando as transmissões televisivas.

A trilha sonora tem um papel fundamental dentro da proposta que cada jogo possui para criar o clima desejado pelos designers e como elemento importante do ritmo de qualquer narrativa: “nunca subestime a importância do som em uma fase de jogo; às vezes é um dos componentes mais críticos da atmosfera e da emoção de um mapa do jogo” [Byrne, 2005, p.38]. No caso dos esportes, em geral, as telas de opções possuem alguma trilha, porém não faria sentido ter uma música tocando enquanto uma partida está em andamento, pois seria uma contradição em relação ao que ocorre nos campeonatos profissionais na vida real. De acordo com Poole [2004], os jogos de esportes buscam nas transmissões televisivas seu ponto de apoio para a busca pelo realismo. Para tal, criam replays com vários ângulos de câmera para mostrar o lance, comemorações características de gol baseadas nos jogadores mais conhecidos, além de utilizar alguns recursos conhecidos da televisão como as linhas especiais para mostrar impedimento, por exemplo.

Os jogos de luta também se serviram da tridimensionalidade para a busca do realismo, embora a maioria deles fizesse sucesso por irem justamente à direção oposta. Na década de noventa os primeiros sucessos eram marcados pelo caráter fantástico da ação, com golpes humanamente impossíveis e o uso constante de técnicas especiais como bolas de fogo, raios e golpes aéreos que desafiavam a lei da gravidade. Os marcos deste estilo foram Street Fighter 2 (Capcom, 1991), e posteriormente The King of Fighters 94 (SNK, 1994), sendo copiados por dezenas de títulos concorrentes ao longo dos anos. Segundo Kent (2001), primeiro jogo que buscou uma diferenciação estética foi Pit Fighter (Atari Games, 1990), utilizando cenários bidimensionais e personagens digitalizados de forma realista. As rotinas de animação das sprites foram desenhadas com base em fotos de atores reais, o graficismo de Pit Fighter se assemelhava aos filmes de ação de baixo orçamento.

Desde que foi lançado, Street Fighter 2 era o ponto de referencia para o gênero, tanto na jogabilidade como no aspecto artístico. Mortal Kombat (Midway, 1992), ousou nesse quesito, se baseando na mesma técnica de digitalização de atores de Pit Fighter, exceção feita ao personagem Goro, animado com a técnica Stop Motion*. Ambos digladiavam-se pelo gosto dos jogadores mundo a fora, parecia impossível uma produtora ir por caminho oposto ao mainstream. A tridimensionalidade foi o método definitivo para se adotar tipos de jogabilidades distintos. O primeiro jogo de luta 3D foi 4D Sports Boxing (Distinctive Software) [GAMEFAQS,2008,www.gamefaqs.com/computer/doswin/home/921693.html]. Ao contrário dos títulos já citados, 4D focava-se mais na parte esportiva que na ação em si. O jogo simulava (dentro de suas limitações) a dinâmica das lutas de boxe reais. Os boxeadores eram poligonais e embora fossem simplórios, os jogadores tinham a liberdade de montá-los e configurar suas habilidades, algo inédito para a época. A movimentação era realista, com os jabs, diretos e uppercuts, sem golpes especiais. Embora o ringue fosse bidimensional, a tridimensionalidade dos lutadores permitia haver mais de um ângulo de visão, tornando a experiência mais substancial (figura 7).

Dos Arcades também veio o ponto de mudança dos jogos de luta, com Virtua Fighter (Sega, 1993), produzido a partir do modelo aperfeiçoado do equipamento responsável pela parte técnica de Virtua Racing. A chamada Model 1 renderizava 180.000 polígonos por segundo, além de aplicar sombras e texturas[BROYAD,2006,www.system16.com/hardware.php?id=712]. Porém, as arenas e cenários eram genéricos, com pouca definição, falta de detalhes e artisticamente bastante limitados. “[…] os artistas que criaram o jogo tinham de criar cada personagem com menos de mil e duzentos polígonos. Isso resultou em lutadores com ombros quadrados e braços com aspecto de caixas.” [Kent, 2001, p.502]. Ainda sim, a tridimensionalidade permitiu a inserção de técnicas que simulavam os golpes pertencentes às artes marciais reais, nos lutadores selecionáveis. Durante os embates, a câmera aplicava zooms e rotacionava com correção de perspectiva, tudo em tempo real. O sistema de danos era diferenciado, dependendo do tipo do golpe e a maneira com que atingisse o adversário, o round podia terminar em poucos movimentos, o que fazia da ação um elemento tático.

Em se tratando dos jogos de luta, ainda nos dias atuais a tridimensionalidade é um recurso questionável para os jogadores de videogame, que preferem os clássicos produzidos com a jogabilidade tradicional. Os títulos de luta 3D, embora tenham conquistado espaço e destaque, são quase que considerados como gênero à parte dos jogos de luta. Nomes como Tekken (Namco, 1994), Super Smash Bros (Nintendo, 1999), Battle Arena Toshiden (Tamsoft, 1994) e Soul Calibur (Namco, 1998), são vistos como uma experiência diferenciada em quase todos os sentidos em relação aos bidimensionais, devido ao fato da profundidade de movimentação, ritmo da ação e recursos técnicos dos lutadores serem ajustados de maneira a considerar os três eixos. De modo oposto a outros gêneros como os RPGs, estratégia, simuladores, aventura, plataforma, entre outros, os jogos de luta e ação (também conhecidos por Beat ‘em up) ainda resistem, preferindo manter o aspecto clássico, mesmo com a evolução tecnológica. Muitos jogadores e críticos especializados alegam que as produtoras ainda não foram hábeis em manter o ritmo ágil e a jogabilidade característica dentro dos três eixos.

A ascensão técnica e de relevância dos consoles portáteis ajudou a manter a longevidade de alguns desses títulos, através de atualizações de versões antigas e remakes, embora ainda exista um espaço reduzido nas plataformas principais. Ao contrário do que parecia mais óbvio, a busca pelo realismo e a mudança do padrão privilegiando os sistemas 3D, não matou o 2D. O que houve foi que esse tipo de projeto se tornou mais específico, o apelo artístico único que eles ainda possuem alimenta sua sobrevida frente às inovações constantes. Tal qual a fotografia analógica frente às câmeras digitais e os discos de vinil em relação aos CDs de música, os jogos 2D tem seu charme próprio. São especiais dentro de suas características próprias. Tornaram-se cult.

3. O desafio dos computadores pessoais e a união com os consoles.

Durante muitos anos, os consoles e os computadores pessoais foram plataformas absolutamente distintas no que tange os videogames. Enquanto os PCs surgiram como máquinas responsáveis por grandes cálculos matemáticos, os consoles nasceram como sistemas exclusivamente dedicados aos jogos. Um era caro, sério e formal. O outro era infantil, divertido e familiar. Esses matizes conflitantes impediram a comunicação entre as plataformas tanto pelas diferenças nas ferramentas e métodos de produção como na filosofia dos jogos e sua relação com os públicos-alvos. Quando os consoles surgiram no final dos anos setenta, os computadores ainda eram grandes e caros demais para o grande público, somente as maiores empresas tinham condições de mantê-los, e só os tinham para aplicações profissionais.

A redução de custos dos componentes mais importantes como os micro processadores, aliada ao desenvolvimento da tecnologia, permitiu a criação do conceito dos computadores pessoais. Durante os anos oitenta houve uma popularização progressiva e os computadores se tornaram uma plataforma atrativa para desenvolvedores de jogos comerciais, ao mesmo tempo em que o mercado de consoles sofreu uma grande crise nos Estados Unidos. Várias produtoras passaram a desenvolver exclusivamente para os computadores, o que motivou uma demanda expressiva por equipamentos cada vez mais tecnicamente poderosos, para que os jogos pudessem ter mais apelo estético e fossem mais complexos. Surgiu dessa forma um grande desafio que os designers e produtores teriam que enfrentar inevitavelmente.

Diferentemente dos consoles, que possuem suas configurações básicas fixas e somente mudam após o término de seus ciclos (algo que acontece em média a cada cinco ou seis anos no mínimo), para modelos mais poderosos, os computadores pessoais evoluem constantemente devido ao lançamento periódico de novos modelos de placas-mãe, memórias maiores e mais rápidas, processadores, etc. A principio, o que seria uma vantagem tecnológica, era na realidade uma grande dificuldade para as produtoras que precisavam uniformizar o design dos seus projetos em torno dos diferentes tipos de configurações e padrões das máquinas disponíveis. Outra dificuldade eram as eventuais incompatibilidades que ocorriam durante a instalação dos jogos, pois os sistemas operacionais costumavam não lidar bem com determinados tipos de arquivos necessários para o funcionamento dos jogos. A entrada da plataforma Windows em substituição ao antigo sistema DOS foi uma boa evolução, mas ainda era uma situação problemática e cheia de obstáculos.

No inicio dos anos noventa, o cenário era diferente do que é atualmente:

Na verdade, computadores Macintosh eram muito mais adaptados para jogos do que os PCs. Os monitores para Macintosh tinham resolução pouco mais alta que os monitores padrão dos PCs e os computadores da Apple não tinham todos os problemas de compatibilidade que ainda assombravam os PC [Kent, 2001, p.455]

Essa realidade só começou a mudar após o lançamento do Windows 95, quando a Microsoft (produtora do sistema operacional) disponibilizou a excelente API (Application Programming Interface, ou Interface de programação de Aplicativos) DirectX, um conjunto de ferramentas unificadas, responsável pelos componentes necessários para o funcionamento dos jogos sobre o sistema operacional da empresa [Microsoft Corporation, 2008, www.microsoft.com/windows/WinHisto.mspx]. O advento do DirectX foi decisivo para agilizar os ciclos de desenvolvimento e melhorou significativamente a interação entre hardware e software, diminuindo sensivelmente os problemas de conflito. Com as versões posteriores do DirectX, o Windows se tornou a principal plataforma de desenvolvimento de jogos comerciais para os computadores, superando definitivamente o DOS e até outros sistemas operacionais rivais como o Apple Mac OS.

O lançamento constante das placas aceleradoras de vídeo integradas com as tecnologias do DirectX contribuiu para um salto da qualidade técnica dos jogos para PCs em poucos anos. Paralelamente, os consoles evoluíram a sua maneira, ultrapassaram os arcades e se aproximaram cada vez mais dos computadores. O que separavam os dois eram principalmente as diferenças de componentes e do design dos sistemas, isto é, como as peças são integradas para que o console tenha o melhor desempenho de processamento, vídeo e som. Enquanto a maioria dos computadores era dotada de processadores da Intel, os consoles utilizavam processadores de outras empresas como Motorola (Snes, Geneis, Neo Geo e Jaguar) Hitachi (Sega Saturn e Dreamcast), NEC (Virtual Boy e Nintendo 64), às vezes até modelos customizados [Kent, 2001]. O mesmo ocorria com as placas de vídeo e som, o que tornava a conversão de um jogo de uma plataforma para outra uma operação complicada, na maioria das vezes a qualidade da versão transposta era inferior a original.

A aproximação das plataformas aconteceu com o lançamento do console Dreamcast da japonesa Sega, que após ver seu console Saturn ficar para trás na concorrência com o Playstation e Nintendo 64, já desenvolvia o console seguinte. O Dreamcast possuía placa de vídeo com a tecnologia NEC PowerVR2 e sistema operacional Windows CE, o tornando-o console mais próximo a um computador até então [Forster, 2005; Kent, 2001]. Ainda na mesma geração, a Microsoft lançou seu console Xbox, projetando-o praticamente como um computador, com processador Intel Pentium 3 Celeron e placa de vídeo XGPU, compatível com o modelo GeForce 3 da NVIDIA, que ao lado da ATI domina o setor placas de vídeo para computadores. O console foi o primeiro a vir com um disco rígido, além de ser compatível com o DirectX 8, a versão mais nova na época do lançamento do Xbox. Um de seus concorrentes, o Gamecube da Nintendo tinha a arquitetura do seu processador baseada no PowerPC 750CXe (mesmo modelo empregado nos modelos Apple Macintosh G3) da IBM, além de placa de vídeo da ATI. [Forster 2005]

De alguns anos para cá, é comum terem jogos planejados desde o inicio de seus ciclos tanto para computadores quanto para consoles, o público-alvo de ambos se tornou praticamente o mesmo. A transição da era 2D para a 3D também abriu caminho para que os consoles e computadores pessoais, dois universos distintos e opostos em termos de jogos, pudessem ao longo do tempo se aproximar. A consolidação dos gráficos tridimensionais trouxe além de uma evolução técnica notável e uma gama enorme de possibilidades dentro do conceito dos jogos, uma explosão dos custos de produção. No final dos anos oitenta e início dos noventa, o custo dos melhores jogos raramente chegava à casa do milhão. Hoje grandes títulos como Super Mario Galaxy, Halo 3 ou Bioshock têm orçamentos gigantes. Todos esses termos técnicos vistos durante este capítulo, refletem o quão a tridimensionalidade foi capaz de transformar a forma como vemos, sentimos e experimentamos os videogames. Como já mencionados, os jogos bidimensionais não foram extintos, porém não há como negar que eles serão cada vez mais raros e específicos, ainda mais pelo fato de que a maioria dos gêneros já foi capaz de se libertarem e aderirem ao eixo z.

4. Conclusão

A grande discussão da atual geração de jogos é como transpor a jogabilidade para a terceira dimensão. O console Wii da Nintendo, ousou dar o primeiro passo nessa direção com seus controles baseados em sensores de movimento. Até a publicação desta tese, a aposta foi acertada, visto que milhares de pessoas que já haviam abandonado os videogames retornam a eles. O Wii é o atual líder do mercado, seguido de perto pelo Xbox 360, lançado um ano antes. Ao que tudo indica, não é absurdo afirmar que após os sistemas e gráficos terem se transformado de bidimensionais para tridimensionais, os controles, mediadores da interação entre o usuário e a máquina, passem pelo mesmo processo. O videogame ainda é um meio de interação e comunicação recente, que ainda busca sua afirmação midiática, bem como sua aceitação pela sociedade, algo que já ocorreu com o cinema e a televisão, por exemplo. Até onde os jogos caminharão, é algo que depende dos designers, programadores e demais profissionais envolvidos em conjunto com os jogadores. É um longo caminho que foi desenhado por pixels e construído por polígonos.

Referências

BROYAD, TOBY, 2006. System 16. Disponível em http://www.system16.com/hardware.php?id=712 [acessado em 8 de agosto de 2008].

BYRNE, EDWARD, 2005. Game Level Design. Charles River Media.

CHAHI, ERIC, 2007. Eurogamer: Another World: 15th Anniversary Edition. Disponível em http://www.eurogamer.net/article.php?article_id=72345 [acessado em 8 de agosto de 2008]

DEMARIA, RUSEL e WILSON, L., JOHNNY, 2004. High Score! The Illustrated History of Electronic Games Second Edition. McGraw-Hill/Osbourne.

FORSTER, WINNIE, 2005. The Encyclopedia of Game. Machines: Consoles, handhelds & home computers 1972-2005. Gameplan.

GAMEFAQS, 2008, Gamefaqs.com. Disponível em http://www.gamefaqs.com [acessado em 8 de agosto de 2008].

GAMESPOT, 2008, Gamespot.com. Disponível em http://www.gamespot.com [acessado em 8 de agosto de 2008]

KENT, L, STEVEN, 2001. The Ultimate History of Videogames: from Pong to Pokémon and beyond – The Story Behind the Craze That Touched Our Lives and Changed the World. Three Rivers Press.

POOLE, STEVEN, 2004. Trigger Happy: Videogames and the Entertainment Revolution. Paper Back.

Ufa! Ao final de tudo, espero que tenham gostado, como eu gostei de  pesquisar tudo isso. Até a próxima postagem e abraços a todos.

André V.C Franco/AvcF – Loading Time

7 thoughts on “Matéria especial: Quebra de paradigma: do 2D para o 3D

  1. Muito bom o texto. Com relação aos beat ‘em up, dos mais recentes (e que eu conheço) o que mais conseguiu chegar próximo dentro de um ambiente 3D foi Power Stone, principalmente no segundo (a fase do último chefe é nostalgica), apesar do jogo não ser um beat ‘em up legítimo e sim um jogo de luta 3D.

  2. avcf,

    Nem cheguei a ler a matéria e já encontrei um erro crasso: com certeza o Star Fox não foi o primeiro jogo 3D para consoles, o próprio Hard Drivin’ do Genesis, que citei para ti um dia antes de tu postar essa nova matéria, é mais velho, de 1990. Infelizmente, pelas matérias e enganos, invariavelmente pró Nintendo, não tenho mais como considerar blog imparcial.

  3. Colorado,

    Não tem nada a ver com ser pró-nintendo ou coisa parecida. Não joguei Hard Drivin’, porém o jogo não foi feito originalmente para o Genesis, sim foi um port do PC (aparentemente bem ruim, por sinal). Já Star Fox foi feito especificamente para o Snes, além de ter sido um jogo bem mais conhecido (embora não ache grandes coisas, a versão N64 é muito melhor).

    Nenhum blog, revista, site, portal ou oque quer que seja é “imparcial”, nem você mesmo o é. Mas que texto parcial que fala de praticamente todas as empresas envolvidas com os games? Citei a Sega (com o Time Traveler, Virtua Racing e Virtua Fighter), da Microsoft (com uma parte toda dedicada a relatar a importância do DirectX), vários jogos da plataforma PC…enfim, modestia a parte, considero um texto bastante completo.

  4. avcf,

    “No universo dos consoles, a primeira experiência produzida totalmente tridimensional foi Star Fox (Nintendo, 1993), jogo de tiro espacial com personagens cartunescos”, nada é dito de “feito originalmente”. Está estranho, mesmo porque talvez nem o Hard Drivin’ seja o primeiro em consoles, foi apenas um mais velho que eu lembrei sem qualquer pesquisa. Além disso, o primeiro é o primeiro, não interessa se é melhor, pior ou mais famoso.

  5. Hm…ficou vago no texto mesmo, admito. A excessão do Hard Drivin (que não é original dos consoles) não encontrei nenhum outro título poligonal original para consoles anterior a Star Fox. Apenas lembrando (você acompanha o blog a pouco tempo e não deve saber) que os textos desse blog são abertos a sugestões dos leitores, então se tiver alguma informação que eu não tenha, eu adiciono.

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