Game Design: quando o fraco supera o forte (parte 1 de 2)

Saudações aos relativistas.

Neste texto especial eu falarei sobre alguns exemplos em que o fraco supera o forte. Tenho certeza que pelo menos algum de vocês já torceu para um país, equipe ou até mesmo um atleta de origem mais humilde e tecnicamente mais limitado frente a competidor de uma grande potência esportiva ou com muito mais recursos tecnicos e físicos. Ou quem nunca assistiu um daqueles milhares (e chatíssimos, vale dizer) filmes manjados em que um bando de fracassados sofrem mil agruras e provações para no final superarem seus próprios limites e vencer o campeão previamente estabelecido?

Com os videogames também existem alguns exemplos assim. São versões de jogos que mesmo lançados em plataformas tecnologicamente mais simples e limitadas conseguiram ser mais divertidos e caprichados que as versões que deveriam ser melhores. Falarei deles na sequência do link. Sigam-me.

Ninja Gaiden NES vs Arcade

A trilogia Ninja Gaiden sempre entra na lista dos melhores jogos do NES, dos melhores games 8-bits já lançados, e as vezes até dos melhores de todos os tempos. Mas o que nem todos sabem é que Ninja Gaiden não é um jogo original do NES, e sim um beat em up de Arcade lançado um ano antes da versão console. Ninja Gaiden arcade era simplesmente medíocre, com um gameplay que tentava simular Double Dragon, mas de longe sem a mesma competência. Até era jogável, dava para perder umas fichas sem sair frustrado, mas como na época o gênero da moda era o beat em up, o jogo se perdeu entre tantos outros títulos que haviam disponíveis naquele tempo.

Já no NES, a história é completamente outra. Naquele final da década 80, o console era o caminho natural de boa parte dos jogos de arcade que queriam chegar aos lares dos jogadores. O problema era como adptar alguns desses jogos sem sofrer grandes perdas, uma vez que o hardware do NES já tinha seis anos em 1989 (ano de lançamento do Ninja Gaiden para o console), e suas limitações técnicas eram visíveis. Não dava para repetir a já não muito interessante experiência do arcade sem perdas significativas. Mas foi exatamente aí que a equipe de game design da Tecmo arregaçou as mangas, mostrando todo o brilhantismo dos profissionais que ficaram a cargo da versão NES.

Ao invés de imitar a versão original, ela apenas serviu de inspiração e base para os elementos do jogo para console. De beat em up, o gameplay modou para o chamado ação estilo “hack and slash” com fortes elementos de plataforma. Assim, o game ganhou agilidade e uma dinâmica que não seria possível no esquema de andar e bater do original. Graças a essas mudanças fundamentais de projeto, o level design da versão console é muito mais inteligente e bem projetado. Outra diferença importante foi o valor de produção, muito superior na versão console, algo raro se considerar que os maiores investimentos eram na produção dos jogos de arcade ( que ditaram os limites técnicos dos games até a geração Playstation). Enquanto que no arcade o enredo era um mero pretexto para ação, a versão NES tinha um roteiro muito bem construído, com argumento, personagens e motivações dignos de uma boa história em quadrinhos. Quem não se lembra do espanto que as animações pré-renderizadas que rodavam entre as fases causavam nos jogadores? Isso era um reflexo do capricho que a equipe teve o projetar a versão caseira de Ninja Gaiden.

Se fosse apenas um port da versão arcade, Ninja Gaiden seria apenas uma versão inferior de um game comum. Porém, esse jogou mostrou a importância do game design, que com um projeto inteligente e bom uso das capacidades e limitações técnicas disponíveis, provou que um aparelho defasado pode mostrar seu valor. Tecnicamente, o NES nunca chegou perto do arcade. Mas isso não o impediu de ter jogos melhores.

Double Dragon II e III de NES vs Arcade

A alguns posts atrás eu falei sobre o porquê Double Dragon II:The Revenge do NES ser um jogo genial. Um dos principais motivos é que ao contrário da versão arcade, que mais parecia uma expansão do primeiro DD, a versão NES era um jogo distinto e muito mais variado e original. Falando especificamente do console, The Revenge é muito superior ao Double Dragon, em todos os sentidos. E por que isso acontece? Exatamente por aquilo que falei sobre o Ninja Gaiden, ou seja, enquanto que a segunda versão é um jogo distinto e projetado levando em conta o que o NES podia e não podia fazer, Double Dragon foi quase um port direto da versão arcade. A consequência disso foi um jogo tecnicamente muito inferior ao arcade, sem multiplayer e inferior a outras versões console como Master System e Genesis.

Para compensar tudo isso havia apenas aquele esqueminha sem vergonha de “evolução”, em que o jogador ia ganhando golpes aos poucos. Um recurso pobre e mal bolado, tanto que foi descartado das versões seguintes. Se Double Dragon II tivesse seguido o mesmo caminho seria apenas mais um jogo no meio de tantos outros. Ninguém se lembra do DD II do arcade. Ninguém se lembra que o Genesis teve mais de um Double Dragon ( o console da Sega teve ports da trilogia do arcade). Quando se fala de Double Dragon II é sempre a versão NES que é relembrada e celebrada. Justamente por ter sido um game projetado em função do aparelho, com situações que a máquina maior habilidade para manejar.

Com Double Dragon III: The Sacred Stones a história é parecida. Enquanto a versão arcade descambou ladeira abaixo com um jogo muito ruim, a versão NES foi projetada à parte, tornando-se bem melhor. Embora The Sacred Stones seja inferior a The Revenge no aspecto geral, no NES se trata de um bom beat em up. Simples, curto (cinco fases contra oito da versão anterior) e divertido, era o jogo perfeito para alugar e gastar umas partidas com mais um jogador. Em compensação, a versão arcade tinha um gameplay medonho e design pavoroso de tão feio. Só não conseguiu ser pior que Double Dragon V, game responsável por afundar a franquia. A Technos tomou a decisão certa com Double Dragon II e III no NES, criando dois clássicos ao invés de ter preferido o caminho fácil dos ports.

Como disse no segundo parágrafo, todo mundo se lembra das versões NES, mas ninguém dá bola para as versões principais de The Revenge e The Sacred Stones. O mais comum seria o contrário, mas o game design novamente foi o responsável pelo sistema mais fraco ter superado o mais forte.

Pit Fighter Genesis vs Super Nes

Eu sei que alguns de vocês devem estar se perguntando “o que essa porcaria do Pit Fighter está fazendo aí?” Minha resposta é simples, pois não é porque o jogo envelheceu mal que sua importância não pode ser reconhecida. O fato é que Pit Fighter foi um grande sucesso quando foi lançado em 1990, e até a chegada de Street Fighter 2, foi o rei dos jogos de luta. Também foi o precursor da utlização de sprites de atores digitalizados, que se tornou célebre dois anos depois com Mortal Kombat. Me lembro que quando ia a um fliperama não tinha para ninguém quando se tratava de popularidade, sempre se formavam filas para jogar Pit Fighter. Até tinham debates acalorados sobre quem era o melhor lutador entre “Buss” e o “Tí” (era assim que o pessoal chamava o Ty e o Buzz), e porque o Kato era tão fresco.

Claro que haveriam versões caseiras para capitalizar o sucesso dos arcades, a primeira conversão saiu para o Sega Genesis (ou Mega Drive, se preferirem). Embora sonora e graficamente muito inferior, o gameplay foi mantido intacto, mantendo a mesma experiência de jogo da versão original. Tudo estava lá, os cenários, os inimigos, os golpes e o mesmo ritmo, foi o mais próximo que o console conseguiu chegar do arcade. A única perda significativa (e compreensível) foi que no console foi o multiplayer reduzido de três para dois jogadores simultâneos.

A versão Super Nes chegou um ano depois e tinha tudo para ser melhor. Mas aconteceu o exatamente o contrário, além de ser bem pior, a versão Snes ainda conseguiu a proeza de ter menos contúdo. No Genesis, tudo o que havia no arcade foi transferido para o cartucho, sem tirar nem por. Já no Snes, a produtora fez um trabalho suíno, atingindo o menor nível possível. Quase tudo foi retirado ou reduzido, a começar pelos adversários, três a menos nessa versão. O items sumiram, não havia mais objetos para jogar contra os oponentes, nem as armas que apareciam nas arenas. Por falar nelas, só sobraram três no Snes, que junto da única música que toca infinitamente em looping, tornam o jogo insuportavelmente repetitivo. Pior é que até os golpes especiais foram limitados, o que restringia algo que já era simplório e monótono. Um lixo total.

Isso mostra que se não houver empenho e competência por parte de uma produtora de jogos, não há aparelho que salve um jogo. Se fosse levado a sério, Pit Fighter seria muito melhor no Snes, mas o Genesis venceu fácil essa briga em específico. Menos cores, menos detalhamento, menos recurso, mas melhor jogo. Muito melhor, por sinal.

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André V.C Franco/AvcF – Loading Time

PS: O texto ficou sem revisão, pois publiquei de madrugada. Qualquer erro me avisem.

5 thoughts on “Game Design: quando o fraco supera o forte (parte 1 de 2)

  1. Ah, eu vou defender ainda mais o Pit Fighter do Mega. Tirando os gráficos, é MELHOR que o do fliperama, principalmente o gameplay! Digo isso porque joguei outro dia o Pit no MAME e achei bem truncado. Me lembro que no computador do meu CA na época da faculdade os jogos que eu mais jogava no emulador do mega era o Road Rash II e Pit Fighter.

    Mas concordo que o jogo, comparado com outros de luta, perde feio. Prinipalmente porque o único lutador realmente jogável é o Ty. Grosso modo, ele seria o Ryu, o Buzz (o do “topete!”), um Zanguief mais complicado de se lutar e o Kato… Hum, seria um Guy (Final Fight) não tão rápido… Bem, não consegui fazer uma comparação boa com o Kato :\

  2. Faz um tempo que entro aqui.. mas nunca comentei.
    Faltou um dos mais clássico exemplos: Resident Evil 2
    Falaram tanto do 64.. que não dava e tal. Bom, hehe, o que vimos não foi isso!

  3. eu joguei um pouco o RE2 no emulador de 64
    e achei um pouco mais quadrado q o do psx,mas parecia a mesma coisa
    nao cheguei ao final por isso nao falo qual e melhor!

  4. O fato é que hardwares inferiores requerem mais criatividade e normalmente de tabela geram jogos melhores. Quando se tem um hardware melhor em mãos, parece que o pessoal acomoda. Claro que isso não é uma regra.

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